Nunca vou me esquecer de quando eu estava jogando no meu PS2 (PlayStation 2) Digimon Data Squad, logo após terminar de ver um episódio do anime na televisão. Melhor era quando havia maratona e passavam episódios de Digimon Adventure, Digimon Frontier e Digimon Savers na “falecida” Disney XD. Nesses dias, eu era a criança mais feliz de todas, e por isso minha review vai ser diretamente para a galera dos anos 2000 que era apaixonada por Digimon! Não vou conseguir ser 100% imparcial, já que a franquia de que estamos falando é a minha favorita de infância. E se você, como eu, passava as manhãs grudado na TV vendo o Tai e o Agumon em suas épicas batalhas, ou talvez ficava se perguntando quem era mais legal, o Agunimon ou o Lobomon, ou talvez se empolhava com a porradaria sincera do Masaru e o Greymon, você vai entender muito bem minha review. Lembro como se fosse hoje daquela briga eterna no recreio: Pokémon ou Digimon? A grande maioria dos meus amigos ia de Pikachu, claro, porque era “fofo” e “simples”. Mas eu entendia que o mundo digital era superior, sabia a verdade: Digimon era mais que colecionar; era sobre crescer!



Meu argumento na época era que os Digimons poderiam desfazer suas Digievoluções, então eles conseguiam voltar de um mega monstro com armas acopladas para um dinossauro fofo e, assim, dormir junto ao Tai. Agora, imagine um Machop evoluir para um Machamp… seria difícil dormir ao lado daquela criatura musculosa. Mas a verdade é que, enquanto o Ash se preocupava em ter 150 monstrinhos e ser “o melhor”, a gente estava vidrado no drama da Kari e do Gatomon, ou na jornada existencial do Takato e do Guilmon em Tamers. A filosofia de Digimon sempre foi o seu soco mais forte. O anime mergulhava em temas como morte, abandono, trauma e, principalmente, a relação profunda e simbiótica entre humanos e seus parceiros digitais. Quero deixar em destaque um diálogo de um arco do anime de Digimon Adventure:
> BlackWarGreymon: Nunca pensei que poderia ser derrotado. Gostaria de pedir que me dessem o golpe final, se forem gentis o bastante para acabar com a minha existência.
> Wormmon: Eu em, está bancando o durão? É o quê, está dizendo que quer morrer? O motivo pelo qual estava procurando um rival não era para derrotá-lo, mas para que ele o destruísse, para evitar sofrer. Desculpe, mas não vamos deixar. Queremos que se incomode mais e sofra mais, a vida é assim. Sabe, não se pode esperar que tudo seja perfeito. Algumas vezes tem que dizer “estou envergonhado, não quero ver ninguém”, mas vai continuar vivendo com paciência.
> Agumon: Nós enfrentamos tempos difíceis, mas também temos lembranças agradáveis. Uma vez você me perguntou o motivo da sua existência. Eu não sei a resposta, mas posso dizer uma coisa: eu não chegaria onde cheguei sem as experiências que tive. Tudo o que eu fiz até aqui é a prova da minha própria história.
> V-mon: E eu digo o mesmo, digo sim! Eu fico feliz em comer, dormir, brincar e me divertir com os meus amigos. Não vá pensando que eu estou desperdiçando a minha vida de forma preguiçosa. Comer bem, dormir bastante… Eu não faço nada pela metade. Devoto toda a minha energia a isso. É o que faz a minha vida completa.
> Wormmon: Se quer aprender o sentido da vida, tem que aproveitá-la, mesmo que tropece numa pedra e machuque o dedão.
Conseguem sentir o peso dessas falas? Observem que um desenho sobre bichinhos digitais ensinou que a vida é difícil e não existem atalhos para facilitar as coisas. Cada sofrimento é experiência para sua evolução pessoal e que o sentido da vida não é algo que você encontra, mas que é construído por todas essas experiências. Nunca foi só sobre um “pet”; era sobre amizade e parceiros que Digievoluíam com base na coragem, esperança… no seu desenvolvimento moral. Digimon Story: Time Stranger carrega esse DNA profundo e dark nas suas veias.

Antes de entrarmos no Digimundo, quero agradecer imensamente à Bandai, que disponibilizou uma key para que essa review fosse possível. Este novo título da aclamada série Digimon Story foi desenvolvido pela Media.Vision Inc. (conhecida por seu trabalho em Wild Arms e nos jogos anteriores Cyber Sleuth) e publicado pela gigante Bandai Namco Entertainment Inc. Ele chegou em outubro de 2025 para PlayStation 5, Xbox Series X|S e PC (Steam), mostrando que a franquia agora mira na next-gen com força total.
História
A história de Time Stranger não é nada simples, diga-se de passagem. Como é de meu costume não dar spoilers sobre as histórias dos jogos, aqui, mais do que nunca, não poderia ser diferente. Há muitos sentimentos que cada um merece ter individualmente, mas vou falar um pouco de como a história se desenrola no começo e como ela consegue ser mais profunda do que aparenta de início.
Você começa com uma explosão catastrófica, que é chamada de “Inferno de Shinjuku”, um evento apocalíptico envolvendo o Digimundo e o mundo humano. O foco em uma crise que interliga o mundo digital e humano é um tema central desde Digimon World 3 (PS1/PS2). O primeiro passo de imersão é seu: o jogo logo te dá a opção de selecionar entre o protagonista masculino ou feminino, uma funcionalidade que a série Story popularizou em Cyber Sleuth.
Você assume o papel de um(a) Agente da organização secreta ADAMAS, que é responsável por investigar e resolver “Anomalias”: incidentes e fenômenos estranhos que ocorrem no mundo humano e que têm uma conexão direta com os Digimon, referidos na terminologia técnica da agência como “Formas de Vida de Elétrons Fásicos”.


A escolha dos parceiros iniciais é um aceno nostálgico e estratégico. Você é encarregado(a) de selecionar um parceiro entre o trio Patamon (Data), DemiDevimon (Vírus) e Gomamon (Vacina). Essa formação é cuidadosamente balanceada, representando perfeitamente o tripé de atributos (Vírus > Data > Vacina) que você precisará dominar, uma abordagem estratégica mantida consistentemente nos JRPGs da franquia, como os títulos de Nintendo DS.
Após todo o desastre que a explosão causa, o jogador é transportado oito anos para o passado. Sua missão é impedir o colapso do mundo. O plot se desenrola em uma aventura complexa que alterna entre o Mundo Humano e o Digital World Iliad, e confesso que sair de Iliad é muito difícil, não por motivos de dificuldade, realmente, como chefes e missões, mas porque o mundo é totalmente maravilhoso, cheio de riqueza visual e tudo o que os fãs sonhavam em ter. A narrativa explora viagens no tempo e mundos paralelos, o que permite encontrar Digimon e personagens que você conhece em diferentes fases de suas vidas. Essa profundidade no enredo, que equilibra investigação urbana e mitologia digital, é a maior herança dos títulos de PS Vita/PS4 (Cyber Sleuth e Hacker’s Memory). O drama é construído através dos encontros com os Olympus XII, um grupo de Digimon Mega deuses. Acompanhar a jornada e o crescimento emocional dos Digimon que você salva no passado, vendo-os Digievoluir ao longo do tempo, é um dos pontos mais emocionantes da trama.



Gameplay e a arte da evolução estratégica
O jogo segue aquela pegada que sempre foi utilizada, que é o JRPG por turnos, que, como sempre, vai te exigir estratégia e dedicação, mas com a possibilidade de acelerar o ritmo até 5x e até mesmo automatizar as lutas. Porém, não sugiro fazer isso contra chefes de batalha. O sistema de combate é baseado no tripé de atributos Vírus > Data > Vacina, mas é expandido com 11 atributos adicionais e o novo “Fator de Individualidade”, recompensando o jogador que monta uma equipe balanceada e explora fraquezas. A ação não se restringe aos Digimon: o Agente humano, como nos animes, tem um papel crucial. Ao acumular Cross Points (CP) durante a batalha, você pode liberar um poderoso movimento chamado Cross Art, uma habilidade que carrega a cada ataque e que pode virar o jogo.


A profundidade do gameplay se encontra na Digievolução/De-Digievolução não linear. Com uma quantidade enorme de Digimons ao seu dispor, são mais de 450 Digimon, e a árvore de evolução é uma floresta de caminhos possíveis.
A mecânica de Digievolução/De-Digievolução não-linear, que permite aprimorar permanentemente o “Talento” e o potencial dos Digimons, é um pilar da série Story (DS, 3DS, Vita) e World 2 (PS1) que é aprimorado aqui. Ela solidifica a filosofia da franquia: a dedicação ao parceiro é a verdadeira chave para a força máxima.

O processo de obtenção de Digimons, através do “Escaneamento” de 100% dos dados, é um sistema de captura e coleção mantido e refinado desde os jogos de Nintendo DS e PS Vita. Isso transforma cada batalha aleatória em um passo ativo para expandir sua DigiDex. Fora das batalhas, temos também a fazendinha feliz dos Digimons, a Digifarm, uma função que se tornou padrão desde os jogos de DS, onde seus Digimon treinam em segundo plano e você pode colocar Farm Items. Além disso, você usa Habilidades de Agente que facilitam o treinamento e a exploração. Falando em exploração, a função Scan é vital no Digital World, pois ela não apenas inicia o processo de recrutamento, mas também revela tesouros escondidos e caminhos secretos, com a conveniência de poder usar certos Digimons como montaria para agilizar o movimento pelos cenários.


Direção de Arte e Trilha Sonora (E o Salto Gráfico das Gerações)
Visualmente, Digimon Story: Time Stranger é um salto. O modelo de arte, que foca em personagens humanos com designs urbanos e cool feitos por Suzuhito Yasuda, é uma continuação direta da identidade visual estabelecida nos títulos de PS Vita/PS4 (Cyber Sleuth).
A direção de arte mantém o estilo mangá/anime característico. O estilo visual é uma evolução da estética “Neo-Tokyo” de Cyber Sleuth, trocando a simplicidade dos cenários de dungeon crawling dos títulos de DS por ambientes urbanos ricos e dungeons digitais extremamente detalhadas. A Media.Vision entrega modelos de Digimon refeitos do zero para a nova geração, o que traz um nível de detalhe impressionante.
A trilha sonora, composta por Masafumi Takada (de Danganronpa e No More Heroes), é a cereja do bolo. Ela consegue ser épica nos momentos de batalha e melancólica nas cenas de drama, como nos animes. A música tema, “wherever you are”, é simplesmente a melhor música para puxar seu lado emocional, pois se prende à ideia de laços inquebráveis que transcendem o tempo e o espaço, um conceito que parece ter saído diretamente dos arcos mais dramáticos de Digimon Adventure e Tamers. Para os fãs, a DLC Digimon Anime Song Pack é obrigatória, permitindo substituir as músicas de fundo por hinos como “Butter-Fly” e “The Biggest Dreamer”— uma injeção de pura nostalgia nesse coraçãozinho de fã!








Pontos que muitos podem torcer o nariz (Que eu ignoro com amor)
Como qualquer game, nada é perfeito, e o jogo sim tem alguns pontos que podem enfraquecer a experiência de alguns jogadores. Posso começar pela confusão de algumas telas de introdução que pode ser demais para jogadores novos e assustar um pouco com o tanto de informação. Outros são pequenos detalhes como o(a) protagonista não ter fala o jogo inteiro, ou até mesmo a falta de modelagem facial dos NPCs que rodeiam as ruas da cidade. Coisa que para mim não faz diferença, mas vi pessoas comentando. Mas isso passa bem despercebido para os verdadeiros fãs da obra.
Digimon Story: Time Stranger
Para os Digifãs que Cresceram, Mas Não Esqueceram
Digimon Story: Time Stranger não é apenas mais um jogo de uma franquia amada; é uma carta de amor à filosofia da franquia. É o reconhecimento de que os fãs cresceram, amadureceram, e buscam uma história que reflita essa profundidade. A Media.Vision e a Bandai Namco entregaram um dos JRPGs mais satisfatórios que eu já joguei e que respeita a inteligência do jogador com um sistema de combate e treinamento complexo e um enredo que não tem medo de tocar em temas sérios e ser meio “fora da curva”.
Se você foi aquele moleque que defendeu Digimon na briga do recreio, que assistia aos animes e, mesmo sem entender muito sobre os temas que eles abordavam, você sentia que aquilo era uma lição para sua vida, este jogo é para você. Ele te convida a mergulhar nessa nostalgia desse universo incrível que me marcou tanto. Abrace a nostalgia e salve o Digital World (e o dos Humanos também, é claro, hahaha) mais uma vez. Seus laços são a chave. Digievolua!